segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Dossiê "Let It Bleed



Fazem 40 anos que o Let It Bleed foi lançado na Inglaterra. Nos EUA, o disco chegou às lojas um dia depois. E hoje, mesmo tendo passado tanto tempo, o álbum continua como um monólito: um dos melhores e mais importantes títulos na extensa discografia dos Rolling Stones.

É um trabalho extremamente peculiar e o último lançamento da banda nos anos 60. Não era apenas uma transição de décadas, mas no interior do próprio grupo. Era o primeiro disco de inéditas após a saída de Brian Jones — primeiro líder e fundador dos Stones, falecido na metade daquele ano —, apesar dele figurar em duas faixas. Também, Let It Bleed marcava a estréia de seu substituto: o jovem Mick Taylor, que também apresentava suas habilidades em apenas duas faixas.

Mesmo sendo um composto de faixas oriundas de momentos diversos, sem uma unidade criativa por trás do grupo, ninguém sequer se atreve a acusá-lo de ser “apenas um apanhado de canções”. Cada momento tem um brilho tão forte que ofusca. Apesar de todo seu entorno — ou justamente por causa dele — Let It Bleed foi criado em meio ao período mais fecundo da história da banda. E redefiniu seu espírito e trajetória — fazendo dos Stones um grupo ainda mais sombrio e decadente — para a década seguinte.

Nesse especial, em comemoração aos 40 anos dessa obra, Os Armênios traçam um breve histórico de Brian Jones: figura fundamental na trajetória da banda, que sai definitivamente de cena nesse álbum. Na sequência, há uma análise detalhada do disco, faixa por faixa, ilustrado com preciosos depoimentos de músicos e estudiosos contemporâneos que são influenciados pelo LP. Segue com uma breve resenha de outros artefatos — filmes, discos, livros, compactos — que retraram o momento e se relacionam organicamente com esse importante trabalho dos Stones. Por fim, um documento original de época, uma significativa resenha jornalística — que extrapola o campo da crítica e se assenta dignamente no âmbito do jornalismo literário — demonstrando que, desde o seu surgimento, Let It Bleed já se firmou como uma peça artística chave na história da música e a obra símbolo do final dos lendários anos 60

Brian Jones



Ele foi o líder fundador dos Rolling Stones. E se a banda se vale da mítica em torno da figura do rebelde marginal como a personificação dos ideais do rock’n’roll, a verdade é que Brian Jones nunca precisou encarnar tal papel. Desde o início ele foi um autêntico outsider.

Nascido em Cheltenham, no interior da Inglaterra, Lewis Brian Hopkin Jones era filho de uma professora de piano. Começou a tocar com 10 anos, aos 12 já era o clarinetista principal da orquestra de sua escola e com 15 já fazia dinheiro tocando saxofone todo fim de semana em uma banda de jazz. Como um autêntico beatnik, colocou o pé na estrada, fugindo de sua cidade natal aos 16 anos de idade. Escapava também da responsabilidade de ser pai, deixando sua namorada de 14 anos com um filho no colo. Viveu como mendigo por um período na Escandinávia, até que voltou para Londres, onde descobriu o blues e se integrou no circuito musical local, apresentando-se em inferninhos e cafés universitários.

Quando Mick Jagger e Kieth Richards o conheceram, em 1962, ficaram impressionados não apenas com a primeira execução de slide guitar que eles presenciavam, mas principalmente com aquele indivíduo loiro. Brian tinha a mesma idade que eles, tocava de maneira surpreendente, já havia passado por um sem número de bandas, vivia de sua arte, morava sozinho, tinha três filhos e nenhuma esposa, havia perdido o contato com a família e se metia em brigas freqüentes, muitas vezes por furto. Parecia um personagem dos filmes de James Dean. Isso tudo enquanto Jagger e Richards ainda moravam com os pais.

Logo os Rolling Stones surgiram e tinham aquele marginal como figura de ponta. Com um QI de 137 — acima da média —, Brian tinha uma visão única sobre a música e uma facilidade impressionante para dominar, pelo autodidatismo, uma série de instrumentos. Se Mick Jagger passou meses tentando aprender a tocar gaita harmônica, Jones não precisou mais que meia hora. Enquanto o beatle George Harrison foi para Índia ter aulas de cítara com Ravi Shankar, Brian começou a tocar o instrumento sozinho. Era o responsável por trazer o toque de originalidade que diferençava sua banda de tantas outras que infestavam os inferninhos da Swinging London. Suas contribuições musicais nas composições dos Rolling Stones se tornavam referências citadas por artistas do porte de Eric Clapton, John Lennon, Ray Davies, Bob Dylan e Jimi Hendrix.

Mas não era nada fácil ser Brian Jones. Desde o início sofria fortes ataques dentro de seu próprio grupo, permanecendo em constante disputa pela liderança da banda. O controle da coisa começou a escapar de suas mãos quando o núcleo criativo das canções foi se centrando na dupla Jagger & Richards. Sentia-se inibido por tantos músicos de relevo o apontarem como o gênio do grupo, cobrando por suas contribuições. Aliado a tudo isso, há o triste fato dele ter sido um dependente químico — algo que debilitava a sua já frágil saúde —, e pela sua posição, vivia cercado de pessoas que lhe ofereciam todas as drogas disponíveis o tempo inteiro.

Era outro fator que, emocionalmente, lhe deixava em frangalhos. Foi preso mais de uma vez por porte de drogas. O outro ponto que lhe desestabilizava eram as mulheres. Jones tinha sérios problemas em lidar com o sexo oposto, e várias vezes foi acusado de agressão. O músico nunca superou a perda de seu grande amor — a atriz, modelo e bruxa Anita Pallenberg — para o colega de banda, Keith Richards.

Assim como sua ascensão, a queda de Brian foi meteórica. Afundado em drogas, desestabilizado emocionalmente, encrencado na justiça… O artista estava num estado em que não conseguia mais produzir. O golpe final foi a expulsão da própria banda que ele havia criado. No mês seguinte, no dia 3 de julho de 1969, Brian Jones foi encontrado morto, na piscina de sua casa, em circunstâncias até hoje não esclarecidas. No final do ano — 28 de novembro de 2009, exatos quarenta anos atrás — os Rolling Stones lançavam Let It Bleed, um impressionante disco de transição com as últimas contribuições de Brian no grupo e a obra símbolo de sua época.
Ao lado de outros gigantes lendários do rock que faleceram cedo demais, todos num curto espaço de tempo — Jimi Hendrix, Jim Morrison, Janis Joplin — Brian Jones se diferençava não só por ser inglês, mas se destacava por ter precedido e influenciado os demais.

Let It Bleed

Keith Richards assume o posto de guitar lider da banda.

Um disco, um retrato: Sexo sujo, violência gratuita e uma capa quase perdida
Let It Bleed chegou às lojas um dia antes do sombrio concerto de Altamont. Era o último trabalho de estúdio que o grupo produzia para a Decca Records. Devia ter sido lançado antes, mas houveram problemas com a mixagem e atrasos na pós produção.

A capa não era a aprovada para o projeto. Mas a arte original (de autoria de Andy Warhol, mostrando uma calça Levis feminina, enquanto o disco traria uma calcinha com os dizeres “Deixe Sangrar”) fora perdida na bagunça do escritório dos Rolling Stones. Sua concepção foi usada para o álbum seguinte, Sticky Fingers (1971). A saída foi criar uma nova capa às pressas. Robert Brownjohn foi o idealizador e Delia Smith quem produziu o “bolo”. O título quase foi alterado para Automatic Changer.

As sessões do álbum haviam começado no início do ano. Tendo em vista o resultado alcançado em Beggars Banquet (1968), a banda continuou com Jimmy Miller na produção, numa parceria prolífica que iria se estender por mais álbuns. De início, vários esboços foram registrados, muitos deles sendo apenas temas instrumentais. Algumas dessas canções não voltaram a ser trabalhadas, ou então tomaram corpo e foram aparecer apenas em Sticky Fingers. Dentre elas, pode-se citar títulos como Aladdin Story, French Gig, I Was Just A Country Boy e Jimmy Miller Show. Das faixas que acabaram entrando no álbum, Midnight Rambler começou a ser trabalhada desde o início. Entre os esboços que viriam a se transformar em músicas efetivas estão Give Me Some Shelter — que evoluiria para Gimme Shelter — e If You Need Someone — que se transformaria na faixa título do disco.

Entre abril e maio de 1969 aconteceriam muitas sessões de estúdio para o álbum. Daí também resultaram uma série de faixas e esboços que nunca foram finalizados para integrar um registro oficial. Entre elas estão as seguintes composições de Jaggers e Richards: Curtis Meets Smokey, Jiving Sister Fanny, Black Box, Mucking About, So Fine, Toss The Coin, The Vulture e When Old Glory Comes Along. Chegaram ainda a gravar uma faixa de Bill Wyman, Downtown Suzie, e uma cover: I Don’t Know Why, de Stevie Wonder.

Justiça seja feita: Keith Richards assume papel fundamental em Let It Bleed. Como bem nota o crítico francês Bas-Rabérin, em virtude da ausência quase completa de Brian Jones — já desde o trabalho anterior — e a presença ainda pouco decisiva Mick Taylor, o lendário guitarrista original da banda se esmera na execução, alcançando aqui um domínio e qualidade sonoras que talvez seja o mais perfeito no conjunto da obra dos Stones. Mais de uma vez, ele se encarrega de várias partes de guitarra em uma mesma composição. Quando o grupo mais precisou, lá estava Keith Richards em seu auge!

O álbum que chegou às lojas no final do ano (no dia 28 de novembro na Inglaterra e 29 de novembro nos EUA) continha 9 canções. Os críticos reclamaram que seu conteúdo era de “sexo sujo, sadomasoquismo, drogas pesadas e violência gratuita”. Esperavam o que de um lançamento dos Rolling Stones? Canções sobre flores do campo e o azul do céu?


Músicas do álbum

1. Gimme Shelter
2. Love in Vain
3. Country Honk
4. Live with Me
5. Let It Bleed
6. Midnight Rambler
7. You Got the Silver
8. Monkey Man
9. You Can’t Always Get What You Want

Confira a matéria na integra com depoimentos de músicos no site

http://www.osarmenios.com.br/2009/11/dossie-let-it-bleed/

por Marina de Campos &
Rodrigo de Andrade (GARRAS)

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